sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Monólogo de Órfeu

By Vinícius de Moraes (1954)



Vinícius de Moraes

Mulher mais adorada!
Agora que não estás,
deixa que rompa o meu peito em soluços
Te enrustiste em minha vida,
e cada hora que passa
É mais por que te amar
a hora derrama o seu óleo de amor em mim, amada.

E sabes de uma coisa?
Cada vez que o sofrimento vem,
essa saudade de estar perto, se longe
ou estar mais perto se perto
O que é que eu sei?
Essa agonia de ver fraco
o peito extravasado,
o peito extravasado
o mel correndo...
essa incapacidade de me sentir mais eu, Orfeu;
Tudo isso que é bem capaz
de confundir o espírito de um homem...
Nada disso tem importância,
quando tu chegas com essa charla antiga,
esse contentamento, esse corpo,
e me dizes essas coisas
que me dão essa força, esse orgulho de rei...

Ah, minha Eurídice!
Meu verso, meu silêncio, minha música!
Nunca fujas de mim.



Sem ti, sou nada.
Sou coisa sem razão, jogada, sou pedra rolada.

Orfeu menos Eurídice: coisa incompreensível!
A existência sem ti é como olhar para um relógio
Só com o ponteiro dos minutos.
Tu és a hora, és o que dá sentido
E direção ao tempo,
minha amiga mais querida!

Qual mãe, qual pai, qual nada!
A beleza da vida és tu, amada
Milhões amada! Ah, Criatura!
Quem poderia pensar que Orfeu,
Orfeu cujo violão é a vida da cidade
E cuja fala, como o vento à flor
Despetala as mulheres -
que ele, Orfeu,
ficasse assim rendido aos teus encantos?

Mulata, pele escura, dente branco
Vai teu caminho
que eu vou te seguindo no pensamento
e aqui me deixo rente quando voltares,
pela lua cheia
Para os braços sem fim do teu amigo...

Vai tua vida, pássaro contente
Vai tua vida que estarei contigo.

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